Contexto
- A normalização do desvio é um fenômeno pelo qual práticas inadequadas ou inseguras são gradualmente aceitas como normais dentro de uma organização, levando à deterioração dos padrões de segurança e qualidade 1. Este processo ocorre quando desvios das normas ou procedimentos corretos são repetidamente tolerados sem consequências imediatas, fazendo com que comportamentos de risco se tornem culturalmente aceitos e percebidos como normais ao longo do tempo.
- A mediocridade é a condição ou estado de ser comum, ordinário ou de qualidade inferior. Caracteriza-se pela falta de excelência, originalidade ou ambição, resultando em desempenho ou realizações que são apenas satisfatórias ou abaixo do padrão esperado.
A carta
Excelentíssimos Senhores e Senhoras,
Venho por este meio manifestar o meu mais veemente repúdio face à crescente normalização do desvio e da mediocridade na nossa sociedade. Estes fenómenos perniciosos têm-se infiltrado em diversos sectores, comprometendo não só a qualidade do nosso trabalho, mas também colocando vidas em risco de forma absolutamente inaceitável.
Recordemos, a título de exemplo, a trágica ocorrência do vaivém espacial Challenger em 1986 nos Estados Unidos. Uma série de decisões equivocadas e a desconsideração de alertas cruciais resultaram na perda de sete vidas. A NASA, ciente dos riscos associados a lançamentos em baixas temperaturas, optou por prosseguir, ignorando as advertências dos seus próprios engenheiros. Este caso ilustra de forma paradigmática a normalização do desvio, onde práticas questionáveis se tornam gradualmente aceitáveis, culminando em desastres de proporções catastróficas. Até hoje observamos acidentes aéreos que seguem um padrão semelhante (ex: n121JM). Erros sucessivos, falhas na comunicação e a negligência de protocolos de segurança têm resultado em tragédias que poderiam ter sido evitadas.
Exemplos mais recentes envolvem rompimento de barragens no Brasil, como a de Fundão em Mariana em 2015 e a de Brumadinho em 2019, onde temos a negligência continuada, a priorização do lucro sobre a segurança, as modificações sem projetos adequados, as falhas de monitoramento e priorização de conformidade regulatória sobre segurança real.
Estes incidentes levantam uma questão premente: até que ponto nos tornámos complacentes com o risco?
É deveras alarmante constatar que a mediocridade se tornou a norma em muitos aspectos da nossa vida quotidiana. Deparamo-nos com profissionais que se contentam em fazer apenas o mínimo necessário, sem procurar a excelência ou a inovação. Esta atitude não só prejudica o progresso individual, como também compromete o desenvolvimento colectivo da nossa sociedade.
Impõe-se a questão: o que nos conduziu a este estado de conformismo? Por que razão nos contentamos com o medíocre quando temos potencial para o extraordinário? Porventura, a busca incessante por gratificação imediata e a cultura das redes sociais tenham-nos condicionado a valorizar mais a aparência do que a substância. Vivemos numa era em que a imagem projectada frequentemente não condiz com a realidade, criando uma dissonância perigosa entre o que somos e o que aparentamos ser.
É imperativo que façamos uma reflexão profunda sobre os valores que estamos a cultivar na nossa sociedade. Urge resgatar o compromisso com a excelência, a ética no trabalho e a responsabilidade individual e colectiva. Não podemos permitir que a normalização do desvio e a aceitação da mediocridade continuem a corroer os alicerces da nossa civilização.
Apelo a todos que se posicionem contra esta tendência nociva. Sejamos vigilantes nos nossos ambientes de trabalho, exigindo e praticando os mais elevados padrões de qualidade e segurança. Eduquemos as nossas crianças e jovens sobre a importância da integridade e do esforço genuíno. Valorizemos aqueles que se destacam pelo seu mérito e dedicação, não apenas pela sua habilidade em criar uma imagem atraente.
Somente através de um esforço conjunto e consciente poderemos reverter esta situação e construir uma sociedade onde a excelência seja a norma, não a excepção. O futuro da nossa nação e o bem-estar das gerações vindouras dependem das escolhas que fazemos hoje.
Queiram aceitar os meus mais respeitosos cumprimentos,